Desde o
início da pandemia pensei em escrever uma história que ouvi aqui no sertão, mas
não me lembrava bem dos detalhes. E hoje pensei na história e comentei sobre
ela agora na hora do almoço. Aconteceu que após o almoço, enquanto eu pendurava
roupa no varal no quintal, passava pela estrada a protagonista. Eu decidi
pará-la e pedi para contar a história novamente. E ela atendeu alegremente.
Contou como se tivesse acontecido ontem.
Dona
Lúcia Bacaba, casada com seu Zé Bié, é mãe de nove filhos e hoje já tem 23
netos e diz orgulhosa saber o nome de todos!
Esta
história que narrou aconteceu quando seus filhos eram pequenos, a cerca de 15
anos atrás, quando as coisas no sertão eram ainda mais difíceis do que hoje.
Contou
dona Lúcia que ela foi com os filhos para a chapada panhar pequi. Levou junto
os cachorros, pra modo de acuarem alguma caça se tivessem a oportunidade.
"Deus ajude que os cachorros apanhem uma caça!", pensou ela. (Grande
parte dos sertanejos ainda hoje vive da caça, da pesca, e do plantio e criações
para subsistência). Mas aconteceu que terminaram de colher o pequi, e nada de
caça. "Ô meu Deus, vou ter que voltar para minha casa sem caça".
Chegou em casa, olhou para o feijão plantado no quintal ainda
"bageando" (ou ainda formando as vagens). "O jeito vai ser
cozinhar o pequi". Encheu o tacho de água, colocou no fogo com o pequi
para cozinhar e saiu para banhar no brejo (pequeno riacho). "Passou o
Tocha, passou a Luiza, e nenhum deles viu. Mas estava bem no meio da estrada um
rabo de couro monstro" ("Rabo de Couro" é o nome que dão a uma
espécie de tatu da região. "Monstro" é muito grande). "Deus não
me deu na chapada, mas veio trazer bem aqui na minha casa!". Dona Lucia então
chamou um parente para matar o tatu, deu meia banda (metade) do tatu pra ele, e
colocou a outra metade no fogo pra dar de comer aos seus filhinhos".
"E até hoje, irmã Adriana, tudo o que eu preciso eu peço ao meu Deus e ele
me dá".
Ah... se
vocês conhecessem dona Lúcia! E sua casinha, ou seus filhos e netos. Você
louvaria a Deus pelo milagre do sustento na mesa deles e na sua. Eu O louvo! O
louvo por ter me trazido pro meio deste povo forte, lutador, cheio de fé, que
tanto me ensina! E tem tanto a ensinar a outras culturas!
Sim. A
dona Lúcia deu metade do tatu a seu parente. Seus filhos tinham fome. Ela
proveu o almoço. Não pensou na janta. Dividiu o tatu. O sertanejo é povo que
divide, que vive em família. Claro que não é um povo perfeito e cremos que o
Evangelho há de trazer luz e redimir aquilo que for preciso nesta bela cultura!
Deus
existe. Podemos falar com Ele. E Ele atende segundo sua boa vontade. Isto dona
Lucia já sabe. Será que nós sabemos e usufruímos deste privilégio?
Sigo
aprendendo e levando as boas novas de que existe um Deus que nos ama e que quer
se relacionar conosco. Que para isto enviou Jesus para sofrer duramente "o
castigo que nos traz a paz". Castigo este que é devido a todo aquele que
peca. A mim e a você.
Sigo
sonhando com um sertão que seja cada dia melhor de se viver. Que acolha seus
filhos, como me acolheu. Que possibilite novas histórias. Que permita o
crescimento, o sustento digno. Que não enterre mais sonhos, mas que os faça
florescer. Para a glória dAquele que a tudo e a todos criou.
Adriana
Costa Ricieri
21/07/2020
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