terça-feira, 21 de julho de 2020

Dona Lúcia e o rabo de couro

Desde o início da pandemia pensei em escrever uma história que ouvi aqui no sertão, mas não me lembrava bem dos detalhes. E hoje pensei na história e comentei sobre ela agora na hora do almoço. Aconteceu que após o almoço, enquanto eu pendurava roupa no varal no quintal, passava pela estrada a protagonista. Eu decidi pará-la e pedi para contar a história novamente. E ela atendeu alegremente. Contou como se tivesse acontecido ontem.


Dona Lúcia Bacaba, casada com seu Zé Bié, é mãe de nove filhos e hoje já tem 23 netos e diz orgulhosa saber o nome de todos!
Esta história que narrou aconteceu quando seus filhos eram pequenos, a cerca de 15 anos atrás, quando as coisas no sertão eram ainda mais difíceis do que hoje.


Contou dona Lúcia que ela foi com os filhos para a chapada panhar pequi. Levou junto os cachorros, pra modo de acuarem alguma caça se tivessem a oportunidade. "Deus ajude que os cachorros apanhem uma caça!", pensou ela. (Grande parte dos sertanejos ainda hoje vive da caça, da pesca, e do plantio e criações para subsistência). Mas aconteceu que terminaram de colher o pequi, e nada de caça. "Ô meu Deus, vou ter que voltar para minha casa sem caça". Chegou em casa, olhou para o feijão plantado no quintal ainda "bageando" (ou ainda formando as vagens). "O jeito vai ser cozinhar o pequi". Encheu o tacho de água, colocou no fogo com o pequi para cozinhar e saiu para banhar no brejo (pequeno riacho). "Passou o Tocha, passou a Luiza, e nenhum deles viu. Mas estava bem no meio da estrada um rabo de couro monstro" ("Rabo de Couro" é o nome que dão a uma espécie de tatu da região. "Monstro" é muito grande). "Deus não me deu na chapada, mas veio trazer bem aqui na minha casa!". Dona Lucia então chamou um parente para matar o tatu, deu meia banda (metade) do tatu pra ele, e colocou a outra metade no fogo pra dar de comer aos seus filhinhos". "E até hoje, irmã Adriana, tudo o que eu preciso eu peço ao meu Deus e ele me dá".


Ah... se vocês conhecessem dona Lúcia! E sua casinha, ou seus filhos e netos. Você louvaria a Deus pelo milagre do sustento na mesa deles e na sua. Eu O louvo! O louvo por ter me trazido pro meio deste povo forte, lutador, cheio de fé, que tanto me ensina! E tem tanto a ensinar a outras culturas!


Sim. A dona Lúcia deu metade do tatu a seu parente. Seus filhos tinham fome. Ela proveu o almoço. Não pensou na janta. Dividiu o tatu. O sertanejo é povo que divide, que vive em família. Claro que não é um povo perfeito e cremos que o Evangelho há de trazer luz e redimir aquilo que for preciso nesta bela cultura!


Deus existe. Podemos falar com Ele. E Ele atende segundo sua boa vontade. Isto dona Lucia já sabe. Será que nós sabemos e usufruímos deste privilégio?

Sigo aprendendo e levando as boas novas de que existe um Deus que nos ama e que quer se relacionar conosco. Que para isto enviou Jesus para sofrer duramente "o castigo que nos traz a paz". Castigo este que é devido a todo aquele que peca. A mim e a você.

Sigo sonhando com um sertão que seja cada dia melhor de se viver. Que acolha seus filhos, como me acolheu. Que possibilite novas histórias. Que permita o crescimento, o sustento digno. Que não enterre mais sonhos, mas que os faça florescer. Para a glória dAquele que a tudo e a todos criou.




Adriana Costa Ricieri
21/07/2020