quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Povos não alcançados do interior do Maranhão conhecidos na região como sertanejos




Ildemar Nunes de Medeiros, em seu livro Missionários para o Sertão Nordestino, começa caracterizando o sertão em termos geográficos e climáticos. Apesar de focar o semiárido, a vegetação de caatinga, as chuvas irregulares, os solos secos e os rios intermitentes ou temporários, ele faz uma ressalva e inclui outros lugares geográficos:

“Diferentemente do que se pensa, “há também os sertões de Goiás e de Minas, além daquele do nordeste, sinônimos tradicionais de lugares distantes, inacessíveis, espaços do atraso e das populações rústicas”. Ildemar Nunes de Medeiros, citando Malvezzi (2007) em Missionários para o Sertão Nordestino, pág 19.

Ele marca também características significativas do sertanejo quanto ao isolamento das suas comunidades e as suas peculiaridades culturais e psicológicas.

“A região sertaneja nordestina se configura como um lócus prenhe de significações e visões que perpassam diversos campos como literatura, imprensa, ciência e senso comum, significações estas sempre permeadas pela aura criada historicamente em torno desta região interiorana onde se desenvolveu uma economia essencialmente pastoril. A noção de sertão, que não diz respeito só ao nordeste e que é, a princípio, uma noção de lugar geográfico, vem historicamente acompanhada das ideias de diferenciação cultural e de distância. Apresentam-se recorrentemente junto à palavra “sertão” imagens de “longínquo”, muitas vezes de “terra ignota” – como Euclides da Cunha chamava o sertão nordestino em Os Sertões – e do homem sertanejo como um “outro”, de psicologia e hábitos distintos. “Sertão” tem múltiplos significados (...).” CARDOSO, citado por Ildemar Nunes de Medeiros em Missionários para o Sertão Nordestino, pág 20.

Para nós faz-se necessário definir sertão e sertanejo, uma vez que trabalhamos com sertanejos no interior do estado do Maranhão. Para muitas agências e missionários que trabalham com sertanejos, não há sertanejo no Maranhão. Entretanto o povo com o qual trabalhamos, no município de Fernando Falcão, mais especificamente na região rural denominada Sertão II, se chama sertanejo. E também os chamam sertanejos todos os maranhenses que vivem na cidade. A cidade mais estruturada próxima à Fernando Falcão é Barra do Corda, conhecida no Maranhão e em seu hino como “A princesa do Sertão”.

Ao lermos o livro “O grito do Sertão Nordestino”, identificamos as características dos sertanejos citadas no povo entre o qual vivemos há quase oito anos. Inclusive marcou-se o capítulo “Costumes e hábitos sertanejos em conflito com a ética cristã” citando duas das maiores dificuldades que enfrentamos no campo ao discipular sertanejos: a mentira e a corrupção. Este livro organizado por Beat Roggensinger traz exemplos familiares a nós e ensinamentos que podemos aplicar em nossa prática com sertanejos no estado do Maranhão.

Por que então dizem que não há sertanejos no Maranhão? Para nós parece que estão escolhendo apenas aspectos climáticos e de solo – o sertão do Maranhão não é semiárido. Situado no meio-norte nordestino, uma área de transição entre o semiárido e a Amazônia Equatorial, o centro do Maranhão é uma região de cerrado e Mata de Cocais. Os índices de chuva são superiores aos do semiárido. Entretanto, ainda assim, é uma região isolada e de muita pobreza. Fernando Falcão, de acordo com o último senso (2010), tem o segundo pior IDH do Brasil! Os índices de analfabetismo, mortalidade, e saneamento básico são lamentáveis. E até problemas com a água são enfrentados: muitos brejos são intermitentes, e até aqueles que há dez anos eram perenes, segundo moradores da região, hoje secam por longos períodos de verão (de junho a dezembro). A porosidade do solo é grande – o solo é arenoso – o que dificulta ainda mais o acesso e o cultivo, pois se precisa de carros com tração para passar pelo areião, um solo pobre em nutrientes. O modo de vida é ainda arcaico – casas de taipa ou adobe, com telhados de palha, sem banheiro ou fossa, sem água encanada, embora a energia elétrica tenha chegado recentemente na maioria dos povoados do município. No tempo de roça, os sertanejos vão para perto das serras (A Serra das Alpercatas passa por nossa região, e o rio Alpercatas passa dentro da sede do município), onde não há água, porém o solo é mais fértil, melhor para o cultivo. Ficam nos “ranchos”, telhados de palha sem paredes, expostos ao frio e ao perigo de ataque de animais, e sem água suficiente para se banharem bem após um dia árduo de trabalho. A água dos ranchos é levada em carros de comerciantes e pequenos fazendeiros em troca de favor ou dinheiro, e é armazenada de forma precária.

Poderíamos escrever muito ainda sobre as características do povo entre o qual moramos no centro do Maranhão, denominados sertanejos. Mas nosso propósito aqui é simplesmente fazer um apelo às igrejas e agências missionárias para que não desconsiderem este povo ainda não alcançado pelo Evangelho de Jesus. Queremos que o clamor do sertanejo do Maranhão seja ouvido. E o clamor deles é por Jesus. O que sempre nos chamou a atenção e nos motivou a ir morar entre eles, desde 2008, quando conhecemos a região, é que na maioria dos povoados não existe nenhuma presença da Igreja, e as pessoas pouco conhecem sobre Jesus e sobre o Evangelho. Em alguns povoados as pessoas já ofereceram terrenos para que se construam igrejas e para a morada de missionários. Mas quem vai atender ao chamado deles? Rogamos ao Senhor da seara para que envie mais trabalhadores para esta seara. Embora pelos dados do senso existam 13,8% de pessoas declaradas evangélicas no município (1.276 entre as 9.241 pessoas residentes no município), o que percebemos é a maioria destes evangélicos se encontram na sede e não na zona rural. E mesmo as igrejas da sede parecem inconsistentes e fracas em testemunho e ações que visem uma melhoria de vida para as pessoas do sertão.

Finalmente, pensamos que é necessário conhecer mais a realidade do estado do Maranhão, um estado grande geograficamente e que abriga em si todos os seguimentos ainda não alcançados pelo Evangelho no Brasil: indígenas, sertanejos, quilombolas, ciganos,  ribeirinhos, surdos, os mais pobres entre os pobres e os mais ricos entre os ricos. Aí sim poderemos elaborar estratégias para incluir o Maranhão e seus povos na agenda missionária das agências e igrejas do Brasil.



                Adriana Costa Ricieri



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