Ildemar Nunes de Medeiros, em seu livro Missionários para o Sertão Nordestino, começa
caracterizando o sertão em termos geográficos e climáticos. Apesar de focar o
semiárido, a vegetação de caatinga, as chuvas irregulares, os solos secos e os
rios intermitentes ou temporários, ele faz uma ressalva e inclui outros lugares
geográficos:
“Diferentemente do que se pensa, “há também os
sertões de Goiás e de Minas, além daquele do nordeste, sinônimos tradicionais
de lugares distantes, inacessíveis, espaços do atraso e das populações
rústicas”. Ildemar Nunes de Medeiros, citando Malvezzi (2007) em Missionários para o Sertão Nordestino,
pág 19.
Ele marca também características significativas do
sertanejo quanto ao isolamento das suas comunidades e as suas peculiaridades
culturais e psicológicas.
“A região sertaneja nordestina se configura como um
lócus prenhe de significações e visões que perpassam diversos campos como
literatura, imprensa, ciência e senso comum, significações estas sempre
permeadas pela aura criada historicamente em torno desta região interiorana
onde se desenvolveu uma economia essencialmente pastoril. A noção de sertão,
que não diz respeito só ao nordeste e que é, a princípio, uma noção de lugar
geográfico, vem historicamente acompanhada das ideias de diferenciação cultural
e de distância. Apresentam-se recorrentemente junto à palavra “sertão” imagens
de “longínquo”, muitas vezes de “terra ignota” – como Euclides da Cunha chamava
o sertão nordestino em Os Sertões – e
do homem sertanejo como um “outro”, de psicologia e hábitos distintos. “Sertão”
tem múltiplos significados (...).” CARDOSO, citado por Ildemar Nunes de
Medeiros em Missionários para o Sertão
Nordestino, pág 20.
Para nós faz-se necessário definir sertão e
sertanejo, uma vez que trabalhamos com sertanejos no interior do estado do
Maranhão. Para muitas agências e missionários que trabalham com sertanejos, não
há sertanejo no Maranhão. Entretanto o povo com o qual trabalhamos, no
município de Fernando Falcão, mais especificamente na região rural denominada
Sertão II, se chama sertanejo. E também os chamam sertanejos todos os
maranhenses que vivem na cidade. A cidade mais estruturada próxima à Fernando
Falcão é Barra do Corda, conhecida no Maranhão e em seu hino como “A princesa
do Sertão”.
Ao lermos o livro “O grito do Sertão Nordestino”,
identificamos as características dos sertanejos citadas no povo entre o qual
vivemos há quase oito anos. Inclusive marcou-se o capítulo “Costumes e hábitos
sertanejos em conflito com a ética cristã” citando duas das maiores
dificuldades que enfrentamos no campo ao discipular sertanejos: a mentira e a
corrupção. Este livro organizado por Beat Roggensinger traz exemplos familiares
a nós e ensinamentos que podemos aplicar em nossa prática com sertanejos no
estado do Maranhão.
Por que então dizem que não há sertanejos no
Maranhão? Para nós parece que estão escolhendo apenas aspectos climáticos e de
solo – o sertão do Maranhão não é semiárido. Situado no meio-norte nordestino,
uma área de transição entre o semiárido e a Amazônia Equatorial, o centro do
Maranhão é uma região de cerrado e Mata de Cocais. Os índices de chuva são
superiores aos do semiárido. Entretanto, ainda assim, é uma região isolada e de
muita pobreza. Fernando Falcão, de acordo com o último senso (2010), tem o
segundo pior IDH do Brasil! Os índices de analfabetismo, mortalidade, e
saneamento básico são lamentáveis. E até problemas com a água são enfrentados:
muitos brejos são intermitentes, e até aqueles que há dez anos eram perenes,
segundo moradores da região, hoje secam por longos períodos de verão (de junho
a dezembro). A porosidade do solo é grande – o solo é arenoso – o que dificulta
ainda mais o acesso e o cultivo, pois se precisa de carros com tração para
passar pelo areião, um solo pobre em nutrientes. O modo de vida é ainda arcaico
– casas de taipa ou adobe, com telhados de palha, sem banheiro ou fossa, sem
água encanada, embora a energia elétrica tenha chegado recentemente na maioria
dos povoados do município. No tempo de roça, os sertanejos vão para perto das
serras (A Serra das Alpercatas passa por nossa região, e o rio Alpercatas passa
dentro da sede do município), onde não há água, porém o solo é mais fértil, melhor
para o cultivo. Ficam nos “ranchos”, telhados de palha sem paredes, expostos ao
frio e ao perigo de ataque de animais, e sem água suficiente para se banharem
bem após um dia árduo de trabalho. A água dos ranchos é levada em carros de
comerciantes e pequenos fazendeiros em troca de favor ou dinheiro, e é
armazenada de forma precária.
Poderíamos escrever muito ainda sobre as
características do povo entre o qual moramos no centro do Maranhão, denominados
sertanejos. Mas nosso propósito aqui é simplesmente fazer um apelo às igrejas e
agências missionárias para que não desconsiderem este povo ainda não alcançado
pelo Evangelho de Jesus. Queremos que o clamor do sertanejo do Maranhão seja
ouvido. E o clamor deles é por Jesus. O que sempre nos chamou a atenção e nos
motivou a ir morar entre eles, desde 2008, quando conhecemos a região, é que na
maioria dos povoados não existe nenhuma presença da Igreja, e as pessoas pouco
conhecem sobre Jesus e sobre o Evangelho. Em alguns povoados as pessoas já
ofereceram terrenos para que se construam igrejas e para a morada de
missionários. Mas quem vai atender ao chamado deles? Rogamos ao Senhor da seara
para que envie mais trabalhadores para esta seara. Embora pelos dados do senso
existam 13,8% de pessoas declaradas evangélicas no município (1.276 entre as
9.241 pessoas residentes no município), o que percebemos é a maioria destes
evangélicos se encontram na sede e não na zona rural. E mesmo as igrejas da
sede parecem inconsistentes e fracas em testemunho e ações que visem uma
melhoria de vida para as pessoas do sertão.
Finalmente, pensamos que é necessário conhecer mais
a realidade do estado do Maranhão, um estado grande geograficamente e que
abriga em si todos os seguimentos ainda não alcançados pelo Evangelho no
Brasil: indígenas, sertanejos, quilombolas, ciganos, ribeirinhos, surdos, os mais pobres
entre os pobres e os mais ricos entre os ricos. Aí sim poderemos elaborar
estratégias para incluir o Maranhão e seus povos na agenda missionária das
agências e igrejas do Brasil.
Adriana
Costa Ricieri